terça-feira, 1 de outubro de 2013

Natação 'só piorou' após ouro olímpico, afirma Cielo


As últimas três semanas de treino foram melhores do que todo o ano que passou. Cesar Cielo, 26, voltou à piscina depois das férias após o Mundial de Barcelona.
Agora sim sente que está de volta. As duas medalhas de ouro, nos 50 m livre e nos 50 m borboleta, devolveram ao melhor nadador brasileiro de todos os tempos a confiança abalada após uma cirurgia nos dois joelhos, realizada em setembro de 2012.
"Desisti de dez meses da minha vida em prol da performance", afirma à Folha após um treino no Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa, em São Paulo.
Enquanto volta à rotina, o campeão olímpico nos Jogos de Pequim-2008 assiste satisfeito ao movimento de ex- -atletas que pressionam por mudanças na administração das entidades esportivas.
E não esconde sua insatisfação com a falta de competições e de estrutura nas piscinas pelo país. "Temos lá seis ouros em Mundiais, mas as arquibancadas do Maria Lenk estão vazias", diz.
Com seu ouro em 2008, esperava-se um boom da natação. Você acha que o efeito Cielo foi aproveitado?
Em números de atletas, a gente andou para trás. Se pegar o número de federados de dez anos atrás, não posso falar com certeza, mas se aumentou duvido que tenha sido de forma significativa. E isso para um esporte em que a gente ganha medalha desde 2008 todos os anos. A parte estrutural só piorou. O que melhorou foi o grupo [da seleção]. Todos foram crescendo juntos, é uma grande equipe. Evoluíram muito a parte técnica, a capacidade dos atletas, mas em estrutura...
Por que você acha que isso aconteceu?
Sinceramente, não sei. Em Santa Bárbara [d'Oeste, a 135 km de São Paulo, onde Cielo nasceu], a equipe em que nadei chegou a ter 200, 300 nadadores. Hoje tem 40 ou 50. Há muitos projetos de iniciação pelo país, mas o cara aprende a nadar e só treina, treina, treina. Não tem competição. Você vai fazer um projeto de um time de basquete e deixar os caras fazendo treinozinho na quadra? Eles têm de competir, ter oportunidade de aparecer. Nossa mentalidade hoje no Brasil é muito voltada para a iniciação, mas se a gente quiser resultado lá no pico da montanha tem que ser mais específico, tem que investir no alto nível também.
Falta visão de processo?
O processo é um funil, começa com mil para talvez ter um que vai dar certo. O esporte no Brasil hoje está vivo por causa dos clubes. É difícil do nosso lado também [dos atletas de elite]. Qual é o cartel de competições que a gente tem? Tem Maria Lenk, José Finkel e Open. Na agenda de Grand Prix da USA Swimming [federação dos EUA], tem uma competição por mês. É como no tênis, o cara não tem dinheiro para viajar para jogar em Dubai, mas pode jogar o ATP 250 aqui na América do Sul. Tem que ter em todos os lugares, tem que fazer competição no Nordeste porque o pessoal não tem dinheiro para viajar.
Falta avaliar melhor em que investir o dinheiro?
Não precisa mais de investimento em cédula, não quero mais dinheiro, tem que investir em quem está aparecendo, dar chance de competir. Sou a favor da cópia. Se dá certo por que não copiar? A USA Swimming e a Austrália também têm modelos que têm de ser seguidos. A gente não pode mais viver dessas máscaras das medalhas. Temos lá seis ouros em Mundiais, mas as arquibancadas do Maria Lenk estão vazias.
Jogadores de futebol se movimentam contra o calendário da CBF. Ex-atletas, como Hortência, Raí e Ana Moser, pressionaram os congressistas pela MP para moralizar a administração esportiva. A participação dos atletas é um caminho para mudanças?
Fazer só barulho não adianta. Tem que fazer [pressão] de forma política, não tem jeito. E nessa parte o esporte precisa dos ex-atletas em ação. O atleta na ativa é um alvo muito fácil. É muito fácil prejudicar um cara desses. Por isso precisamos do pessoal que parou entrando em cena. Quem foi para competição internacional sabe como é, o massagista [da natação dos EUA] foi atleta olímpico. O cara para de nadar, mas continua envolvido no esporte. Técnicos ou até dirigentes dos EUA são ex-atletas olímpicos, a linguagem deles é a de quem fez natação, sabem do que estão falando.
A limitação dos mandatos pode ajudar a mudar o esporte?
Espero que sim. Tem que ser tudo mais claro. Muita gente não está satisfeita, a gente tem que evoluir, independentemente de a Olimpíada ser aqui ou não. Tem que dar um passo para frente, ter outras visões. Não falo em mudar tudo de uma vez, mas fazer as decisões serem mais voltadas para os atletas, em prol da performance, mais do que politicamente ou financeiramente falando.
Você vai chegar à primeira Olimpíada no Brasil como uma das principais estrelas do esporte nacional. Tem ideia do que vai ser isso?
A gente viveu isso no Pan [em 2007], mas não dá para comparar. Não sei direito como vai ser. Aqui no Brasil nenhuma geração teve o que a gente vai ter. No futebol, os jogadores já estão acostumados, é o esporte do país. Mas para os esportes olímpicos, se alguém disser que está preparado para o que acontecerá, vou querer uma conversa.
Os dirigentes sabem o que esperar?
Acho que nem as próprias confederações [sabem]. Quem foi para a China [2008] e para Londres [2012] sabe, é um evento que o mundo todo vê, são todos os esportes, delegações de 300 atletas, a Vila Olímpica é uma coisa de outro mundo. Acho que será um aprendizado durante o processo. Espero que com a Copa, independentemente do resultado, a gente aprenda a lidar com essa abordagem.
A preparação para a Olimpíada é algo que te preocupa?
Acho que isso está na cabeça de todo mundo que já foi a uma Olimpíada. Quem viu de perto sabe como é. Às vezes, está tudo tão quieto aqui que a gente fica com um pouco de medo. Como atleta e cidadão a gente torce para que sejam tomadas as decisões mais certas. Não tem nem como falar de outra forma: é só tomar a decisão que é melhor para o atleta, para a competição, e não deixar a política ou a parte financeira influenciarem.
Você chegou ao Mundial de Barcelona temendo não ir ao pódio após a cirurgia nos joelhos e saiu de lá com dois ouros. O que avalia que fez de positivo nesse processo?
O mais positivo foi o trabalho individualizado com o Scott [Goodrich, norte-americano que é seu treinador]. Era o que eu estava precisando, essa coisa de não deixar acomodar, de ele estar em cima olhando cada braçada torta que eu desse. O processo fora da piscina foi muito bom, fez muita diferença. Até nadar pelo clube de campo [de Piracicaba] de novo, não ter que brigar por pontuação para o clube e não nadar revezamento no Maria Lenk. Foi um ano que a gente tirou para ser um pouquinho mais egoísta, mas era o que precisava, deixar que só a cicatrização [dos joelhos] fosse um empecilho.
Foi um processo difícil...
Desde a cirurgia [em setembro de 2012] até o Mundial [em julho], não tive tempo para mim. Eu tinha fisioterapia todo dia. Daqui a alguns anos, vou olhar para trás e ver que foi uma coisa de maluco mesmo. Desisti de dez meses da minha vida em prol da performance. Se eu já era caxias, virei caxias ao cubo. Chegou ao ponto de eu, às vezes, não querer voltar para a casa dos meus pais [em Santa Bárbara d'Oeste] porque não gostava da cama lá, não descansava direito e, no domingo, eu precisava acordar bem porque tinha fisioterapia. Não sei se faria de novo. Espero não ter mais uma lesão dessa na carreira. Se acontecesse, sinceramente, seria o momento de refletir se vale a pena passar por tudo isso de novo.

Nenhum comentário: